Caminho feito no
Brasil por santo do “ver para crer” vira roteiro turístico num pacote que reúne
fé e aventura
O
Brasil já tem a sua versão do célebre Caminho de Santiago de Compostela na
Espanha. Um novo roteiro de peregrinação, envolto por lendas religiosas, une-se
à um pacote de aventuras em meio às matas e paisagens da Mata Atlântica que
cercam o Parque Estadual Carlos Botelho, e entre pastagens, plantações,
bosques, rios, as nascentes do Rio Paranapanema e lugares lendários com a Serra
da Macaca. São 200 quilômetros dentro do Estado de São Paulo, que ligam a
cidade de Capão Bonito ao município historio de Iguape, no litoral sul
paulista, e passam ainda por outras cidades como São Miguel Arcanjo, Sete
Barras, Registro e Pariqueça- Açu.
O
caminho já existe há mais de 100 anos e é utilizado como rota por peregrinos e
devotos de Bom Jesus de Iguape e para consolidá-lo como produto turístico, a
Prefeitura Municipal de Capão Bonito, com base nas pesquisas do historiador
Juraci Braz das Chagas, 65 anos, o batizou de Caminhos de São Tomé - o apóstolo que duvidou da ressurreição de
Jesus Cristo (vem daí o bordão “ver para crer”). Conforme o levantamento histórico, São Tomé
teria passado pela região numa missão catequizadora e se tornado um dos
primeiros homens do velho mundo a pisar nas Américas.
Não
há precisão nas datas, mas após analisar os documentos e os mapas traçados
pelos primeiros jesuítas que estiveram no Brasil, Chagas chegou à conclusão de
que ao invés de se dedicar às missões do cristianismo na Europa e no Oriente,
como os demais apóstolos de Cristo, São Tomé, o teimoso, teria optado por
desbravar novos mundos. A tese defendida pelo historiador de Capão Bonito
também se baseia em relatos escritos por jesuítas portugueses que chegaram
entre os anos de 1502 e 1506.
Para
Juraci Chagas, os religiosos encontraram os índios guaranis com ideias
moneteistas e noções de catolicismo, e os ensinamentos eram atribuídos a um tal
de “Pai Sumé”, descrito como homem alto de barbas grandes, roupas de linha e
cinto de couro. Seria, segundo os jesuítas, o apostolo Tomé.
Outra
vertente do historiador que se relaciona com a passagem de São Tomé pela região
sul paulista está concentrada no Caminho do Peabiru – uma trilha indígena do
período pré-descobrimento que ligava o sul do Peru ao litoral do Estado de São
Paulo. Uma hipótese levantada por Chagas e baseada em desenhos de flechas
lapidados em pedras, é de que os índios não se fixavam por essa região, mas
apenas passavam em determinadas épocas do ano em busca de presas. O Caminho do
Peabiru (caminho da montanha do sol) passava pelas nascentes do Rio
Paranapanema, em Capão Bonito e seguia até o Peru, e isso comprova que antes da
chegada dos homens brancos por essas bandas, os índios já utilizavam o caminho,
porém, essa trilha indígena foi fechada por Tomé de Souza em 1653 para evitar
uma possível invasão dos espanhóis, que acreditavam que o corte separativo do
Tratado de Tordesilhas se dava na cidade de Iguape. O caminho foi reaberto em
1693 para facilitar o comércio entre os Estados de São Paulo e Paraná – hoje
atual SP 250.
Caminhos
de São Tomé
O caminho que traz fé e aventura começa
na Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição de Capão Bonito, onde o peregrino
tem a opção de registrar o início passeio em uma espécie de passaporte, e a
chegada é em outro templo religioso: a tradicional Igreja de Bom Jesus da
cidade de Iguape. Quem escolher a caminhada a pé, a duração é de cinco dias. Há
também aqueles que preferem outros meios de transporte mais rápidos como o
cavalo ou de bicicleta.
O primeiro trecho vai do centro de Capão
Bonito à zona rural de São Miguel Arcanjo, com pequenas capelas católicas pelo
caminho, como a da comunidade rural Taquaral Abaixo, e muitas parreiras de uva
Itália, principalmente no inverno. No segundo, os caminhantes percorre a
estrada do parque estadual Carlos Botelho, com 37 mil hectares de floresta e
atrações como corredeiras do rio Taquaral, pontes históricas, cachoeiras, aves
e animais. O trecho seguinte contempla a descida da Serra da Macaca, onde durante
a Ditadura Militar o revolucionário Capitão Lamarca escapou de um cerco de
milhares de militares, e que também abrigou combatentes paulistas da Revolução
de 32 em suas cavernas e esconderijos.
Na sequência, os peregrinos caminham
pelos bananais do município de Sete Barras até a cidade de Registro. A rota
prossegue pelas margens do rio Ribeira de Iguape até Pariqueça-Açu, e a
peregrinação termina no centro histórico de Iguape, que ainda conserva um
grande número de casarões tombados como patrimônio histórico do Estado de São
Paulo.
O servidor público Darci de Freitas, 48
anos, pertence a grupo de peregrinos denominado Grupo Fé no Santo que percorre
essa rota há mais de 20 anos. Ele conta que a primeira parte do trecho é mais
difícil, pois segundo ele, “o corpo ainda não está acostumado”. “Caminhamos o
dia todo e quando anoitece a primeira coisa a se fazer é tirar o tênis e
descansar os pés”, conta.
Freitas relata ainda que o trajeto é
feito sempre em grupo de 10 a 20 pessoas, e para não carregar mochilas com
alimentos e equipamentos e evitar o peso nas costas, os caminhantes contam com
o apoio de um caminhão que carrega tudo o que necessitam para realizar a peregrinação. Conhecedor de
cada curva do trajeto, ele oferece algumas dicas valiosas para os
principiantes: “Para fazer a caminhada, a coisa mais importante são os pés.
Para que tudo saia bem, é preciso usar tênis confortável e duas meias”, sugere.
No caminho, não há hotéis de luxo e
muito menos restaurantes finos. São uma ou outra pousada rústica e pequenos
comércios como bares e lanchonetes. As comodações e as comidas são simples, o
que torna a peregrinação mais atraente e diferente dos aconchegantes pacotes
turísticos pelo mundo afora. Nesse passeio, o som dos acordes operísticos de
Giussepe Verdi é substituído pela assoviar dos pássaros que enriquecem o
cenário.
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