Alguns
colegas abusados me questionam a respeito da minha roda de amizade com pessoas mais
velhas. Geralmente não respondo, até mesmo para não ofender. Este artigo é a
resposta.
No
último final de semana, completei 32 anos e recebi cumprimentos verdadeiros e
outros nem tanto. O olhar é a melhor forma para identificarmos a sinceridade da
saudação.
Entre
os parabéns, separei um especial. Junto com os meus amigos sexagenários – o caçula
tem 62 anos -, saboreamos uma feijoada no recém-inaugurado restaurante Espaço
Paladar. A comida é apenas um pretexto para um bom bate-papo. Às vezes, rola
assuntos descartáveis, mas na maioria das ocasiões os temas servem de
combustíveis para o processamento do eixo cerebral que armazena e distribui as
informações culturais.
A
conversa estava recheada, assim como a feijoada. Dos causos do passado às
citações do presente, surgi o tema Cinema e a indicação da obra de Giuseppe
Tornatore. Após o almoço recreativo para os neurônios, o mestre Juraci das
Chagas deixou sua coleção de filmes europeus da Folha de S.Paulo aleijada, e me
emprestou o emocionante Cinema Paradiso.
É
impossível não gostar e não se identificar com alguma “ária” do filme. Dos
personagens, selecionei um coadjuvante para falar de um amigo que já faz parte
do patrimônio histórico de Capão Bonito. Entre uma cena e outra, aparece uma
espécie de maluco daquela pequena cidade italiana. Sua participação é simples e
sua fala é única: “A praça é minha”.
O
mundo do cinema é mágico, mas suas histórias são reais. Itamar Bernardes de
Freitas é um desses personagens que valem um filme. Escolheu um modo de vida
diferente desta que a sociedade nos impõe. Enquanto muitos traçam como objetivo
a fantasia dos bens materiais, ele prefere a simplicidade de “viver a vida”.
Dorme
numa pequena residência de dois cômodos, mas a maior parte do tempo ele passa
num outro espaço, a praça Rui Barbosa. Muita gente preconceituosa condena esse
tipo de vida adotada pelo folclórico Itamar. Muita gente ainda há de valorizar
essa figura.
E
não se enganem a respeito dele. De bobo, nada tem. Quando jovem, foi ousado e
saiu para o mundo com uma mão na frente a outra atrás.
Entrou
para o mundo artístico. Era amigo de Mazaroppi e de outros ícones da cultura
popular. Foi porteiro de circo e chegou a lutar com a “mulher barbada” no auge
profissional circense. Atuou como bailarino dos primeiros programas de
auditório da TV Brasileira e estrelou a campanha publicitária “Mexa-se”,
propagada pelo Unibanco na década de 60/70.
Como
empresário artístico, promoveu centenas de shows pela região e aprendeu a
malandragem que o meio exige. Ganhou certa graninha, mas nunca deixou que o
dinheiro o dominasse. Com a mesma rapidez que ganhava, descartava-o nas mesas
de jogatina.
Hoje,
presta um tipo de serviço público gratuito. Virou referência para se obter
informação na praça Rui Barbosa. “Você viu minha mãe Itamar?”, e ele responde:
“Acabou de entrar no Santander”, e por aí adiante.
Jamais
deixou o mundo artístico e cultural. Das negociações para a promoção de shows,
passou a comercializar discos genéricos, os famosos CD’s e DVD’s Piratas. Não
faz isso pelo lucro que obtém com as vendas e sim pelo simples prazer de viver
a vida.
Itamar, a
praça é sua, porque você a escolheu como lar. Teremos o prazer de vê-lo por
mais alguns longos anos no largo da Matriz, mas pode ter a certeza de que a
praça não será a mesma quando você a deixar. “É sua, é sua, é sua...”
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