terça-feira, 7 de abril de 2015

A praça é minha



Alguns colegas abusados me questionam a respeito da minha roda de amizade com pessoas mais velhas. Geralmente não respondo, até mesmo para não ofender. Este artigo é a resposta.

No último final de semana, completei 32 anos e recebi cumprimentos verdadeiros e outros nem tanto. O olhar é a melhor forma para identificarmos a sinceridade da saudação.

Entre os parabéns, separei um especial. Junto com os meus amigos sexagenários – o caçula tem 62 anos -, saboreamos uma feijoada no recém-inaugurado restaurante Espaço Paladar. A comida é apenas um pretexto para um bom bate-papo. Às vezes, rola assuntos descartáveis, mas na maioria das ocasiões os temas servem de combustíveis para o processamento do eixo cerebral que armazena e distribui as informações culturais.

A conversa estava recheada, assim como a feijoada. Dos causos do passado às citações do presente, surgi o tema Cinema e a indicação da obra de Giuseppe Tornatore. Após o almoço recreativo para os neurônios, o mestre Juraci das Chagas deixou sua coleção de filmes europeus da Folha de S.Paulo aleijada, e me emprestou o emocionante Cinema Paradiso.

É impossível não gostar e não se identificar com alguma “ária” do filme. Dos personagens, selecionei um coadjuvante para falar de um amigo que já faz parte do patrimônio histórico de Capão Bonito. Entre uma cena e outra, aparece uma espécie de maluco daquela pequena cidade italiana. Sua participação é simples e sua fala é única: “A praça é minha”.

O mundo do cinema é mágico, mas suas histórias são reais. Itamar Bernardes de Freitas é um desses personagens que valem um filme. Escolheu um modo de vida diferente desta que a sociedade nos impõe. Enquanto muitos traçam como objetivo a fantasia dos bens materiais, ele prefere a simplicidade de “viver a vida”.

Dorme numa pequena residência de dois cômodos, mas a maior parte do tempo ele passa num outro espaço, a praça Rui Barbosa. Muita gente preconceituosa condena esse tipo de vida adotada pelo folclórico Itamar. Muita gente ainda há de valorizar essa figura.

E não se enganem a respeito dele. De bobo, nada tem. Quando jovem, foi ousado e saiu para o mundo com uma mão na frente a outra atrás.

Entrou para o mundo artístico. Era amigo de Mazaroppi e de outros ícones da cultura popular. Foi porteiro de circo e chegou a lutar com a “mulher barbada” no auge profissional circense. Atuou como bailarino dos primeiros programas de auditório da TV Brasileira e estrelou a campanha publicitária “Mexa-se”, propagada pelo Unibanco na década de 60/70.
Como empresário artístico, promoveu centenas de shows pela região e aprendeu a malandragem que o meio exige. Ganhou certa graninha, mas nunca deixou que o dinheiro o dominasse. Com a mesma rapidez que ganhava, descartava-o nas mesas de jogatina.

Hoje, presta um tipo de serviço público gratuito. Virou referência para se obter informação na praça Rui Barbosa. “Você viu minha mãe Itamar?”, e ele responde: “Acabou de entrar no Santander”, e por aí adiante.

Jamais deixou o mundo artístico e cultural. Das negociações para a promoção de shows, passou a comercializar discos genéricos, os famosos CD’s e DVD’s Piratas. Não faz isso pelo lucro que obtém com as vendas e sim pelo simples prazer de viver a vida.


Itamar, a praça é sua, porque você a escolheu como lar. Teremos o prazer de vê-lo por mais alguns longos anos no largo da Matriz, mas pode ter a certeza de que a praça não será a mesma quando você a deixar. “É sua, é sua, é sua...”

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